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Maria Alcina reflete sobre perdas e ganhos ao se ver no espelho da vida em documentário sem viço e vivacidade

Em cartaz na 48ª mostra de cinema de São Paulo, o filme ‘Sem vergonha’, de Rafael Saar, enfoca cantora que teve a voz calada pela ditadura militar em 1974...

Maria Alcina reflete sobre perdas e ganhos ao se ver no espelho da vida em documentário sem viço e vivacidade
Maria Alcina reflete sobre perdas e ganhos ao se ver no espelho da vida em documentário sem viço e vivacidade (Foto: Reprodução)

Em cartaz na 48ª mostra de cinema de São Paulo, o filme ‘Sem vergonha’, de Rafael Saar, enfoca cantora que teve a voz calada pela ditadura militar em 1974. A cantora mineira Maria Alcina interpreta músicas como a marcha ‘Eu quero botar meu bloco na rua’ e o samba ‘Com que roupa?’ no filme ‘Sem vergonha’ André Morbach / Divulgação ♫ OPINIÃO SOBRE DOCUMENTÁRIO MUSICAL Título: Maria Alcina – Sem vergonha Direção: Rafael Saar Roteiro: Thiago Brito Cotação: ★ ★ 1/2 ♪ O grande problema de Sem vergonha – documentário de Rafael Saar sobre Maria Alcina que estreia na 48ª Mostra internacional de cinema de São Paulo, com sessões em 20, 26 e 29 de outubro – é que falta ao filme a vivacidade que caracteriza o canto dessa artista mineira de presença esfuziante. Cineasta habituado a se desviar dos formatos convencionais, Rafael Saar apresenta doc em que Alcina reflete sobre perdas e ganhos da trajetória artística ao se ver no espelho da vida. Sem pulso, o roteiro de Thiago Brito é costurado por encenações de trechos marcantes da cantora nascida há 75 anos em Cataguases (MG), revelada na boate carioca Number One e projetada em escala nacional ao defender Fio maravilha (Jorge Ben Jor, 1972) na sétima e última edição do Festival Internacional da Canção (FIC). A ideia é boa, mas resulta frustrante porque o roteiro transcorre sem ânimo e sem a energia que anima o espírito inquieto e transgressor de Maria Alcina. As dramatizações – como as da época em que Alcina trabalhava como operária, pretexto para o canto do samba-canção Três apitos (Noel Rosa, 1933) – beiram o constrangimento. “Meu corpo é o meu palco e o meu cenário”, resume Alcina no início do filme, previsto para ser exibido pelo Canal Curta! no primeiro semestre de 2025. Esse corpo incomodou tanto que, após lançar dois álbuns com relativo sucesso em 1973 e 1974, a cantora foi impedida pelos censores da ditadura militar de trabalhar por 20 dias ainda em 1974, há 50 anos (a propósito, a artificial atuação de Ney Matogrosso como um censor é exemplo do equivocado tom teatral do filme...). Quando o prazo se encerrou, contratantes de shows, diretores de gravadoras, radialistas e donos de TV fecharam as portas para Alcina, receosos de represálias por parte dos algozes do regime. A volta da cantora à cena se deu somente em 1979, dentro do universo do forró de duplo sentido, e com incursões pelos picadeiros dos circos armados Brasil afora. Toda essa (grande) história é contada sem viço no filme, entre (poucas) imagens de arquivo e alguns inéditos números musicais feitos com arranjos e direção musical de Rovilson Pascoal, guitarrista que deu forma a um dos grandes álbuns da discografia da cantora, Espírito de tudo (2017), dedicado ao cancioneiro de Caetano Veloso. Dos números musicais criados e/ou captados para o filme, vale destacar o dueto de Alcina com Ney Matogrosso na marcha Eu quero é botar meu bloco na rua (1972), apresentada pelo cantor e compositor Sérgio Sampaio (1947 – 1994) no mesmo FIC de 1972 que projetou a cantora para todo o Brasil. O canto do refrão esboça empolgação que escasseia ao longo dos 79 minutos do documentário, inclusive no reencontro de Alcina com Edy Star para cantar o samba Com que roupa? (Noel Rosa, 1929). Contudo, cabe louvar a tentativa de Rafael Saar de documentar a saga de Alcina fora da fórmula depoimentos elogiosos + imagens de arquivo + entrevista com o artista enfocado. Batizado com o nome da música de Jorge Ben Jor lançada por Alcina no álbum Bucaneira (1992) e revivida pela cantora no revigorante disco De normal bastam os outros (2013), o filme Sem vergonha rebobina composições como Gothan city (Jards Macalé e José Carlos Capinan, 1969) e a marcha Dionísio, deus do vinho e do prazer (Péricles Cavalcanti, 2013) em registros inéditos da artista. Se o doc tivesse radicalizado na intenção de ser mais dionisíaco e menos contemplativo, o filme teria se afinado mais com o canto, o corpo e a alma de Maria Alcina.